quarta-feira, 17 de março de 2010

Parecia tão fácil!

Escrever é tarefa árdua e dolorida. "Para escrever é preciso sofrer, sofrer e sofrer", dizia Dostoievsky e digo eu, pobre amador que não se dá ao luxo nem a disciplina, nem a seriedade (ou paciência) de Drummond.
Maior o mártir ao descobrir que a fonte não se trata de qualquer dor. Embora rija a Espada de São Jorge de outrem, deve-se jogar no chão o milho com as próprias mãos e ajoelhar-se de modo que os músculos mantenham-se os mais tensos possíveis, sem relaxá-los a fim de aliviar a dor, e que a pele procure os grãos mais sedentos de carne e sangue. Daí, a escuridão.
Entramos numa espécie de limbo. Sons, imagens, cores, cheiros, sabores, palavras, objetos e pessoas. Tudo distante e intocável. Inalcançável. Porém, a busca pela luz não se dá como nos purgatórios comuns onde basta caminhar no breu á clima de novena durante um longo tempo indeterminado até que se irrite a vista com alguma claridade. Nesse caso é preciso correr, pois o tempo é curto. Logo chegaremos ao trabalho, ao colégio, em casa, ou em qualquer lugar que confunda essa caminhada introspectiva; ou simplesmente nos desconcentramos do devaneio para nos distrairmos com alguma responsabilidade idiota.
Agora, me diga: Você já tentou correr em algum ambiente muito ou totalmente escuro, onde há muitos obstáculos? Onde o medo, a falta de equilíbrio, a falta de noção de tempo e espaço faça com que o local mesmo que grande pareça pequeno?! É isso. O ar rarefeito, escadas infinitas, encruzilhadas múltiplas até que se alcançe a superfície.
Mas antes que se considere salvo por sentir a brisa de belas palavras nos cabelos, retomemos o fôlego. A partir desse momento, o literato (ou o aspirante á) está completamente sozinho. Pode contar apenas com seu melhor amigo e seu pior inimigo, que nada mais são do que ele mesmo. Cada palavra pensada e escrita é uma gota de sangue, pois raios e raízes unem-se a língua, adotando á boca um estado amorfo. Essa é a hora de construir as cidades nos desertos, organizar frotas e lançar os navios aos calmos ou tempestuosos mares da poesia. Após jardins edênicos e babilônicos, deve-se ainda achar a saída desse labirinto e retificar as entrelinhas. (Cuidado: Não lapide tanto uma pedra preciosa a ponto de lhe perdere o valor.).
Alguns saem vivos dessa aventura. E muito fortes, como Clarice (Lispector) que faz parecer tão fácil a existência que, cá entre nós, não é assunto muito conveniente e agradável. Sabemos, por ela mesma, ser a existência justo o contrário da simplicidade. O melhor que se aprende ao desfrutar esta tua extrema delicadeza de expressão frente á tão dolorosa concepção (fruto de um grande domínio da escrita) é que existem palavras que não precisam ser ditas.

Escove o cérebro!

2 comentários:

  1. Ou sentar-se numa cadeira e trabalhar como um carpinteiro, -não tão metafisicamente-, como fazia João Cabral. Ou ser até espiritual, metafísico, mas crendo também que a vida é concreta, como Guimarães Rosa; enfim, em termos genéricos, escrever não existe, é como cada qual escreve; de sorte que a literatura é um meio de escapar ao torvelinho da vida, pois, de lápis na mão, até Dostoievski punha ordem no caos. Banana, leia os trechos de um texto do Antonio Cândido que postei no meu Blog.

    Abraços
    Joao.

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  2. Fala Banana, é o João,
    então, lá no SESC Consolação estreou
    a peça do Antunes Filho "Triste Fim de Policarpo Quaresma",
    do Lima Barreto como você sabe... Vai até 6 de junho, de sexta,
    sábado e domingo as 20 horas,
    a entrada é vinte reais... Bora lá qualquer final de semana desses?

    Abraços.

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